Em audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, na tarde desta quarta-feira (7), a população atingida, afetada e impactada pela construção da Usina Hidrelétrica de Estreito, no rio Tocantins, na fronteira entre os estados do Maranhão e Tocantins, e pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, tiveram a oportunidade de manifestar aos parlamentares presentes sua insatisfação com ambos empreendimentos.

Os parlamentares ouviram os constrangimentos, coações, desrespeito e precarização crescente das condições de vida por que passam milhares de famílias no Estreito há quase uma década, e o apelo para que o mesmo não aconteça com as populações ribeirinhas, agricultores, indígenas, pescadores artesanais e outros possíveis afetados pela UHE de Belo Monte.

À exemplo do ocorrido em 1º de dezembro passado, em audiência convocada pelo Ministério Público Federal em Brasília, os representantes do Governo Federal não compareceram ao debate. A presidência da mesa informou que os Ministérios do Turismo, Minas e Energia, do Desenvolvimento Agrário, das Cidades e da Pesca, além do Ministério do Meio Ambiente disseram estar impossibilitados devido a um “mal entendido” que teria havido na convocação da audiência.

Também convidado, o Consórcio Estreito Energia (CESTE) não compareceu e ignorou a convocação para participar da audiência. Vencedor do leilão realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em julho de 2002, o CESTE é formado pelas empresas Suez Energy South America Participações Ltda. (que em dezembro passado transferiu para sua controlada Tractebel Energia a participação que detinha de 40,07% da UHE Estreito), Vale (ex do Rio Doce), Alcoa Alumínio S.A, BHP Billiton Metais e Camargo Correa S.A. Também envolvidas com a obra estão a OAS Engenharia, a Andrade & Canella, a Voith Siemens e a Alstom, todas contratadas pelo consórcio como prestadoras de serviços e fornecedoras de equipamentos.

O BNDES é o principal financiador de Estreito, participando com 72.6% dos custos do projeto, estimado em R$ 3,6 bilhões em valores de 2007. Segundo informa o próprio banco, parte do financiamento foi repassada diretamente aos integrantes do consórcio, outra parte foi “intermediada” pelos bancos privados Unibanco-Itaú, Bradesco e Banco Votorantim. O MPF pretende mover ação buscando inviabilizar o repasse pelo BNDES da última parcela “devida” ao consórcio, até que esse solucione as pendências dos compromissos firmados com a população atingida na região.

A audiência serviu também para divulgar o Relatório Missão Xingu: Violações de Direitos Humanos no Licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, elaborado por Marijane Vieira Lisboa e José Guilherme Carvalho Zagallo, da Plataforma DhESCA. No documento são apontadas várias irregularidades e outros tantos problemas identificados pelos autores em visitas realizadas in loco.

Tanto José Zagallo, da Plataforma DhESCA, quanto a subprocuradora-Geral da República do MPF, Dra. Sandra Cureau enfatizaram que, no caso Belo Monte, a Constituição Federal de 1988 foi  desrespeita pelas empresas e pelo governo federal. Ela estabelece no Artigo 231 a necessidade de autorização do Congresso Nacional para realização desse tipo de obra, posicionamento que deve ser precedido de consulta e do consentimento ou não dos povos indígenas afetados. Além disso, foi completamente desconsiderado o estabelecido na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificado no Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 143 e em vigor desde 2003, que aponta procedimento semelhante.

No ritmo como as coisas vão, a Convenção 169 logo vai estar no ralo. Para evitar isso, só mesmo com muita mobilização social e o Congresso Nacional tomando as medidas cabíveis, juntamente com o Ministério Público Federal.

Ricardo Verdum, assessor Inesc

Vídeo feito a partir da Audiência Pública no Congresso Nacional
Imagens e edição: Rodolfo Vilela


FONTE: http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/artigos/169-segue-para-o-ralo